Se o assunto pandemia não sai da sua cabeça e o isolamento tem te deixado louco ou louca, saiba que você não está sozinha ou sozinho! Neste texto, vamos discutir alguns dos efeitos da pandemia de Covid-19 na nossa saúde mental.
Covid-19, saúde mental e o trabalho
Há poucos dias celebramos o dia Mundial do Trabalho e acho que ninguém apostou que o conceito de trabalho em 2020 estaria tão diferente. Trabalho remoto, home office, Zoom meeting, Webinar… Há menos de 3 meses, esses conceitos ainda eram desconhecidos por muitos brasileiros. Mas agora, com a pandemia de Covid-19 batendo à nossa porta, cada dia mais agressiva, estamos sendo constantemente forçados a nos adaptar.
Sem entrar aqui na biologia da adaptação, ao longo da História, o ser humano se mostrou muito bom nisso. Porém, vivenciar esse momento de inflexão, esse processo de adaptação forçada, ou até de super aceleração de mudanças que uma hora ou outra viriam a acontecer, pode ser assustador.
Se o assunto pandemia não sai da sua cabeça e o isolamento tem te deixado louco ou louca, saiba que você não está sozinho/a! A quarentena não é feita apenas de gente que dá conta de trabalhar, cuidar de filho, fazer exercício, preparar uma comidinha saudável, ler um livro super intelectual, porque, afinal, o dia “ficou mais longo agora que não passo tempo no trânsito”! Bom, livrar-se do trânsito é certamente um ponto positivo, mas essa experiência de quarentena não é necessariamente compartilhada pela maioria.
Conforme os registros de infecção pelo novo Coronavírus cresciam, apareciam os relatos de problemas psicológicos associados à pandemia. Medo, incertezas, mudança radical da rotina, saudades, exaustão são constantes associadas a momentos históricos de crise como este. Eles costumam deixar uma marca profunda na saúde mental de quem sobrevive e não parece que será diferente com a Covid-19.
Saúde Mental e a pandemia de Covid-19
A Organização Mundial da Saúde vem alertando com frequência sobre os efeitos da pandemia de Covid-19 na nossa saúde mental. O aumento nas taxas de estresse e ansiedade seriam naturais num momento como este. Ainda se sabe pouco sobre a doença que nos ameaça e as muitas notícias veiculadas nem sempre são as mais animadoras. Além disso, o impacto das medidas de contenção na rotina das pessoas pode levar a outros problemas de saúde mental. Por exemplo, o isolamento social mais ou menos rigoroso pode causar ou intensificar os seguintes problemas: solidão, depressão, até mesmo abuso de álcool e drogas ilícitas, comportamento suicida e também aumento da violência doméstica, já que a rede de proteção de pessoas vulneráveis fica comprometida.
Neste texto, não vamos tratar de como o distanciamento social tem impactado negativamente a saúde mental dos idosos, principalmente aqueles com alguma condição já debilitante. Tampouco vamos falar do aumento do sedentarismo e suas consequências mentais (e físicas) para o corpo humano. Os efeitos específicos da crise em profissionais da saúde, que vêm arriscando sua própria saúde, muitas vezes sem um equipamento de proteção individual adequado também não será discutido aqui. Cada um desses tópicos, juntamente com os problemas sociais causados pela crise, com o aumento do desemprego, escolas fechadas, diminuição da renda e seus efeitos psicológicos merecem um artigo em separado. Para evitar discuti-los de forma rasa, correndo o risco de diminuir sua importância, o foco deste post será outro.
“Home office”: romantismo e realidade
O “home office”, romantizado nas mídias sociais vem exacerbando um comportamento já comum em muitas empresas mundo afora: o da sobrecarga de trabalho. Muita gente conhece o conceito de ver e-mails e trocar mensagens no grupo do trabalho do WhatsApp, mesmo depois do fim do expediente. Pois é, estudos (1 e 2) mostram que trabalhar de casa durante a pandemia tem prolongado o dia de trabalho em até 3 horas.
Isso porque, trabalhar de casa é novidade para muita gente acostumada a associar a sua rotina de trabalho a horários normalmente determinados por fatores externos – como o do transporte ou do pior trânsito, da escola das crianças etc. Sem esses referenciais a gente acaba se sentando em frente ao computador e permanecendo ali, por horas a fio, muitas vezes sem nem se levantar. Além disso, as distâncias em casa são normalmente menores. Você se exercita menos e acaba tendo menos tempo longe da tela do computador. Pense, por exemplo, no seu percurso da escrivaninha ao banheiro, ou à cozinha para buscar um café.
Muitos também têm receio de sair da frente do computador e ser chamado por um colega ou superior bem nessa hora. O medo é deixar a impressão de não estar trabalhando duro. Para muitos, estar disponível 100% do tempo tornou-se a melhor forma de mostrar serviço, já que “ninguém está te vendo trabalhar”.
Nada de novo, será?
Acredito que poucos discordem que esse tipo de pressão e rotina de trabalho não seja saudável. No entanto, ela é bastante comum, independente da pandemia. Ou seja, não estou dizendo, que trabalhar mais horas do que seu contrato seja mais uma consequência da Covid-19, nem que a relação complexa entre trabalho e saúde mental seja uma novidade. A diferença é que, num cenário como o atual, em que as pessoas têm poucas chances de mudar de ambiente, de descansar a vista (e a cabeça) olhando para paisagens diferentes no caminho do trabalho, ou mesmo de se exercitar, esse estresse adicionado pelas cobranças associadas ao home office pode ter um impacto na saúde mental da sua equipe e influenciar negativamente seu desempenho.
“Zoom fatigue”
A popularização das videoconferências como alternativa até para eventos sociais cancelados pela pandemia tampouco veio sem efeitos negativos. A chamada “Zoom fatigue” (fatiga por Zoom) é resultado de diversos estudos sobre as dificuldades que nosso cérebro tem com as interações virtuais. O nome vem do aplicativo de videoconferências mais usado durante a pandemia, o Zoom.
Em resumo, interagir virtualmente exige um maior esforço do nosso cérebro porque a comunicação não se dá exclusivamente pela fala. A expressão corporal, o olhar, assim como as pausas e respiração durante a fala também fazem parte de como a mensagem é comunicada e denunciam uma expectativa de resposta. Para muitos de nós, associar a mensagem comunicada por voz com esses outros sinais acontece naturalmente, durante a fase de crescimento.
A conversa virtual ficaria então mais exaustiva. O cérebro acaba focando mais nas palavras, já que mesmo com a câmera, não vemos muito mais que ombros e rosto de nosso interlocutor. Quando a qualidade do vídeo não é boa, mal conseguimos reconhecer expressões faciais e isso fica totalmente excluído, quando conversamos sem vídeo. Além disso, num contexto de uma aula ou palestra, por exemplo, a falta do feedback simultâneo pode interferir muito na didática e causar ansiedade em quem está falando. Quem costuma falar em público sabe da importância da reação da plateia para a qualidade da aula, afinal, você percebe na hora quando algo que falou não foi compreendido ou quando está perdendo a atenção do público e consegue usar isso para corrigir o tom.
O nosso cérebro também pode ter dificuldade de focar numa mensagem, quando a reunião é feita em formato de grid, com múltiplas telas e câmeras ligadas ao mesmo tempo. Esse fenômeno chamado de atenção parcial contínua é o mesmo mecanismo de quando tentamos fazer várias tarefas ao mesmo tempo, especialmente sem estar muito acostumados a elas.
Impacto
Além de uma sensação de estafa muito grande, tudo isso pode levar algumas pessoas a se sentirem menos produtivas. Para quem não tem costume de participar de muitas videoconferências, o esforço inconsciente que se faz para se comunicar eficientemente sem todas essas informações não verbais gasta bastante energia. Isso é diferente, por exemplo, numa conversa por telefone, porque já não se tem a expectativa de todos esses sinais.
Isso tudo pode ainda ser agravado pelos ecos e microfonias, quando algum microfone fica ligado na audiência, ou pelos tantos “estão me ouvindo? ” e “melhorou?” repetidos quase que infinitas vezes numa reunião com mais gente.
Para concluir
Ou seja, se você se sente o mais distante possível das fotos bem sucedidas de suas mídias sociais, respire fundo e aceite que isso é normal. Cansaço, improdutividade, desânimo… O estresse e a ansiedade podem sim provocar essa sensação de “congelamento” do cérebro, quando fica mais difícil racionalizar e se sentir capaz. Esse é inclusive um mecanismo de defesa do nosso corpo, que, quando ameaçado, se prepara para te tirar de uma situação de perigo.
É como se, com a quantidade de informação, notícias ruins, sofrimento e catástrofe trazidas pela pandemia, o seu cérebro focasse na sua sobrevivência e deixasse de lado outras atividades que você costumava fazer com facilidade. Daí você ter dificuldades de focar no trabalho, se sentir produzindo menos, se cobrar mais e avançar nas horas do expediente e nem perceber aquele tempo “extra” de que falam por aí.
Mas cuidado! Apesar de uma reação normal, é importante reconhecer que isso está acontecendo e tentar reagir. Infelizmente, não sabemos por quanto tempo ainda vamos precisar nos isolar e passar muito tempo com essa sensação de incapacidade pode ter um efeito mais permanente na sua saúde mental, levando até a uma depressão.
Dicas
Então, reagir, não se cobrar e se sentir mal, o que só piora a situação. Em tempos incertos como estes, é preciso focar naquilo que você pode controlar.
Você pode sim tentar estabelecer uma rotina de trabalho com horários de pausa determinados por um alarme, por exemplo. Para dar um descanso, alterne chamadas de vídeo com conversas pelo telefone. Quando tiver a chance, sente-se perto de uma janela e aproveite para olhar para um ponto distante, aproveitando a luz natural. Isso é importante para descansar os olhos das telas. Quando tiver a chance de descansar, tente fazer algo que não envolva tecnologia (difícil, não é?). Você pode ler um livro, desenhar, escrever com papel e caneta, montar um quebra cabeça…
Enfim, tente se exercitar, reservar um horário do dia para ler as notícias (não ficar querendo se atualizar a cada hora) e converse com seus amigos e colegas de trabalho sobre isso. Pense que você não é o/a único/a a se sentir assim e o senso de comunidade é muito importante nessa hora.
Gostaria de agradecer aqui o convite do Dr Luciano, que me cedeu o espaço do seu blog de medicina para escrever este texto. Quem me conhece sabe que não sou médica e escrevo do ponto de vista de uma observadora bastante crítica da sociedade. Sou historiadora, arqueóloga e trabalho aconselhando pessoas e empresas a seguir o caminho da sustentabilidade para se prepararem para os desafios do futuro. Se quiser entrar em contato, é só escrever para gab.rodrigues@gmail.com.
Ah e aproveitem para ler os demais textos deste blog sobre a Covid-19 e sobre Neurocirurgia. E compartilhem! Obrigada!
*Crédito da Foto:
Priscilla Du Preez